sexta-feira, 26 de abril de 2013

Diário de caminhada: Etapa IV, Belmonte – Fernão Joanes

“Da nossa casa a Santiago de Compostela”,

Etapa IV: Belmonte – Fernão Joanes
13 de Abril de 2013, sábado

 As etapas IV e V marcam uma mudança de estratégia: atacar duas em vez de apenas uma. Se até aqui se entendeu mais adequado vir dormir a casa no final da etapa, deixou de o ser à medida que avançamos no terreno. De ora em diante, havemos de concluir 2 etapas em dois dias consecutivos, pernoitando por lá. Desta vez, foi na Guarda, Residencial Filipe, em pleno centro histórico da cidade mais alta, condições aceitáveis e simpatia bastante.
Caminhantes: Carlos Matos, Clementina – que às vezes também acode por Gabriel -, Fernando Gaspar, Guida, Inserme, Jaime, Joaquim Branco, Luisa, Paula, Sãozita, Zé Manel. No apoio, Piedade.

Sinopse:
Distância percorrida: 24,7 km
Tempo total de caminhada: 6:53 horas
Tempo a andar: 5:30 horas
Tempo parado: 1:23 horas
Velocidade média: 4,5 km/h
Altitude máxima: 996 metros
Povoados no percurso: Belmonte, Centum Cellas, Valhelhas, Mosteiro do Bom Jesus, Famalicão da Serra, Santuário da Senhora do Soito, Fernão Joanes.

Fonte: GPS do Joaquim Branco
(ver track aqui)

Recolhidos os 11 magníficos, mais uma, nos respectivos domicílios, viagem tranquila até Belmonte. A “mais uma” acode por Piedade e partilha o destino com o nosso cabo mor Gaspar e, não podendo caminhar devido a lesão, fez o favor de se disponibilizar para nos assegurar apoio. O castelo de Belmonte, testemunha milenar de muitas batalhas e de maior número de casamentos (estima-se) viu-nos partir alegres e contentes, por volta das 7 da manhã.




Com o argumento de que é nosso dever é nossa obrigação aproveitar o caminho para conhecermos mais e melhor do património e da cultura deste nosso país, Xquim Branco programou o GPS para nos orientar até Centum Cellas num pequeno desvio em relação à rota “normal” em direcção a Valhelhas. 


Sem ninguém o convidar, ter-se-á alojado um reles vírus no programa que nos obrigou a saltar um murete não previsto, mas acabámos mesmo por conquistar Centum Cellas. A placa informativa junto ao monumento ensinava que os arqueólogos ainda não chegaram definitivamente à origem e função do monumento. A julgar pelo espaço escavado acreditamos que eles se esforçaram na empreitada. Fazemos votos que haja financiamento para que eles continuem esse esforço, até para acabar de vez com as especulações interpretativas do monumento como a da idosa numa excursão que, contou a companheira Paula, manifestou a sua aprovação à beleza arquitetónica lamentando, todavia: “é bonito sim senhora, mas foi pena não o acabarem.”


O caminho foi retomado, agora já com Belmonte nas 6 horas, ladeados por extensas baixas verdejantes de primavera. Numa das curvas do caminho eis que se junta uma agradável companhia: o Zêzere que fazia ouvir a sua cantiga, satisfeito com a farturinha de água. Paragem em Valhelhas para a bucha à moda de dou o meu recebo de todos. Uns escolheram água do fontanário que a debitava bem fresca, outros preferiram chá quentinho ou sumo, mas também houve quem se tivesse atirado às mines das nove da manhã. Quanto a sólidos, foi um pequeno almoço de mesa farta.









O caminho inflectiu agora para norte em direcção a Famalicão da Serra através de um vale verdejante ladeado por imponentes cumes. O povo saiu à rua, melhor, ao campo, atarefando-se no plantio da batata, aproveitando o primeiro verdadeiro dia de sol em meses. Que lindo dia para plantar batatas! E nós a caminhar vale acima… É de salientar o espírito alegre e hospitaleiro das gentes de Valhelhas que nos cumprimentava rejeitando amavelmente as nossas ofertas de ajuda.



Breve paragem junto às ruínas do mosteiro do Bom Jesus, edifício de alguma imponência que terá tido os seus tempos de glória. Xquim Branco ia informando:
-  Estamos a 530 metros de altitude e temos de chegar aos mil.


10 Km à frente havíamos de saber que, afinal, só atingimos os 996 metros de altitude máxima. À entrada em Famalicão da Serra alguém logo reparou no cartaz que anunciava festa neste dia. A praça central da aldeia já tinha o palco montado mas, festa, só à noite. Inserme aproveitou para se exibir com o realejo e tocou duas modas, bailadas pelas manas Guida e Luísa. Os autóctones apreciaram e, consta, até bateram palmas à actuação. Um dos que veio indagar de onde vínhamos e para onde íamos, calha a ser sogro de um salgueireiro como o Matos e, naturalmente, fez questão de celebrar a constatação bastas vezes constatada de que o mundo é pequeno, com um copito na sua adega. O vinho não se comparava, convenhamos, a um Cartuxa, mas a intenção e hospitalidade aproximava-se (um bocadinho) à de um esquimó. E nós, humildes e modestos turigrinos, apreciamos bastante estas situações e estes gestos.




Ainda em Famalicão da Serra, justifica-se a referência à escultura em castanho “plantada” num dos cantos da praça. Com cerca de 5 metros de altura, está talhada um pouco à laia de tótem índio exibindo, para além de várias carantonhas, o perfil de uma mulher completa, quer dizer, eram facilmente identificáveis a cara, os seios, o umbigo, a boca do corpo e as pernas. Os autóctones não tinham muita informação sobre o real significado da peça de arte, porque se trata de facto de uma peça artística, mas um deles foi chamando a atenção para os pormenores mais “interessantes”. Hesitou na altura de mencionar a “boca do corpo”, intimidado com a presença da Clementina, preconceito rapidamente destruído pela própria.


O plano era cada vez mais inclinado, e o esforço de contrariar teimosamente a gravidade manifestava-se ruidosamente na respiração ofegante, aplanada a espaços com as brevíssimas paragens que eram aproveitadas para nos virarmos a sul e contemplar o cenário composto pelo vale que íamos vencendo, enquadrado pelo fundo majestoso do maciço central da Estrela com os pontos mais altos a reluzirem na alvura da neve.





A cumeada foi finalmente transposta. Ali se mudava da bacia hidrográfica do Tejo para a do Mondego. Os recortes dos vales deixavam adivinhar o percurso do maior rio português que nos seus primeiros 20 km se encaminha em direcção a Espanha mas que depois parece arrepender-se e inflecte para o nosso litoral à procura de Coimbra e da Figueira da Foz. O caminho leva-nos a atingir a altitude de 996 metros, e é já a descer que encontramos o santuário da Senhora do Soito, nas imediações da aldeia de Fernão Joanes.

Era hora de almoço e precisávamos de um local para, mais uma vez, oferecer o nosso e comer de todos. Jaime avançou e não demorou a obter autorização para a ocupação da pequena e abrigada esplanada do único café da aldeia. O dono calhava ser o Presidente da Junta, Daniel de Jesus Vendeiro de seu nome, homem que para além de nos brindar com a sua hospitalidade e simpatia presenteando-nos com meia dúzia de broas de milho, nos mostrou a sua faceta de autarca dinâmico. Ficámos a saber que foi ele o pioneiro na recriação da transumância, ideia que foi depois apropriada, segundo ele, por Alpedrinha que a associa ao nosso bem conhecido Festival dos Chocalhos . Fernão Joanes, publicitou o Sr. Presidente da Junta, é uma aldeia pequena mas muito dinâmica, rica em eventos culturais e desportivos, possuindo mesmo uma pista de motocross que integra o circuito nacional.



 Cumprida a etapa, accionado o sistema de apoio logístico facilitado pela nossa Piedade, transportámo-nos para a forte, farta, fria, fiel e formosa cidade da Guarda, onde a residencial Filipe nos vendeu, em condições aceitáveis, repouso, duche e pequeno almoço. O final da tarde foi dedicado a pequeno passeio pela zona histórica, com a inevitável visita à Sé, onde decorria a celebração da Eucaristia presidida por Sua Excelência Reverendíssima D. Manuel Felício, Bispo da Guarda. Antes porém, Inserme e Zé Manel não desaproveitaram o ensejo de se juntarem ao numeroso grupo de sacerdotes e fiéis que percorriam algumas ruas cantando cânticos de louvor ao Senhor. Junto à Sé, o grupo ofereceu um miniconcerto que incluiu uma espécie de bailado em que todos davam as mãos fazendo uma grande roda. Os dois ex seminaristas que foram na juventude, viveram o momento com alguma nostalgia.




2 comentários:

  1. Pois tb consta que um turista terá perguntado a uma moradora da aldeira (Colmeal da Torre - sendo que a Torre é Centum Cellas) onde ficava a dita cuja, que tinha vindo pelo outro lado e não a vira. E a senhora, idosa e iletrada terá respondido: é uma casa toda esbarrondada ali ao fundo da estrada.

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  2. Boas meus caros, em primeiro lugar gostaria de os saudar, por esse bom caminho e agradecer a vossa divulgação, pois são relatos como estes que nos motivam e dão uma ajuda, a quem como eu um novato nestas andanças a pôr os pés à caminho.
    Gostaria de vos pôr duas perguntas;

    Gostava de fazer o caminho com dois amigos de quatro patas mas tenho algum receio de encontrar cães soltos que possa criar algum tipo de conflito com os meus, acham que devo ter algum receio?

    Podem me informar se o caminho é simples de seguir e se encontra bem assinalado?

    Obrigado desde já 😉 e obrigado pela divulgação

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